domingo, 20 de maio de 2018

Descriminalização das Drogas - garantia legal e risco em mero ato administrativo (Lei nº 11.343/06 e Portaria MS nº344/98)


Os dispositivos da Lei Antidrogas, que definem condutas criminosas e cominam penas, são reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência como normas penais em branco, pois dependem de um complemento estranho ao próprio texto para que assim se definam e se materializem como tipo penal sancionador.

No Brasil isso ocorre por delegação legislativa. A partir do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº11.343/06, a tarefa de completar a norma penal foi atribuída ao Poder Executivo, a quem compete dizer quais substâncias devem ser controladas ou coibidas. Atualmente isso se dá a partir da Portaria nº 344/98 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, com especial atenção à lista contida em seu Anexo I.

Assim, a norma vem estruturada de modo dinamizar o controle de substâncias proscritas, delegando ao Poder Executivo a prerrogativa de eleger quais delas devem ter trânsito controlado ou coibido no território nacional.

E a conveniência do legislador na escolha desta técnica normativa é evidente, pois com ela se mantém a garantia da estrita legalidade da lei penal na descrição da conduta e na definição dos limites mínimos e máximos da pena, ao mesmo tempo em que livra do engessado processo legislativo da lei penal a individualização do objeto material da norma, que é justamente a indicação das substâncias cuja indiscriminada posse, transporte, consumo etc., devem ser coibidas por razões de saúde pública.

De outro lado, a atual estrutura normativa da política de repressão a entorpecentes permite que a descriminalização do tráfico de determinada substância psicoativa dependa da vontade do legislador, mas também se curve, paralelamente, à discricionariedade da própria administração pública federal.

A destacar, na hipótese da lei de entorpecentes, ambas as normas (a lei penal e a norma administrativa que a complementa) carregam consigo garantias penais gerais, tais como a abolitio criminis e a novatio legis in mellius (artigo 2º do CP e art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal).

Logo, cogitando-se a situação de o Ministério da Saúde excluir determinada substância da lista do Anexo I da Portaria nº 344/98, isso implicaria em inarredável abolitio criminis a todos os condenados e atualmente processados por crimes de tráfico daquele princípio ativo expurgado do rol de drogas, incluindo-se as pessoas que associaram para tanto. Uma repercussão jurídica plenamente plausível, a partir de simples ato administrativo.

De outro lado, a continuidade de determinada substância no rol do ato administrativo do Poder Executivo vem como argumento suficiente para constranger politicamente o legislador a qualquer manobra no sentido de tentar excluir aquela do controle administrativo do órgão sanitarista do Ministério da Saúde.

Sob este contexto, embora pelo atual estágio de desenvolvimento social e científico se cogite remota a possibilidade de alteração normativa, no sentido de se excluir determinada substância do rol daquelas controladas ou proibidas, vê-se que isso pode advir de duas frentes, por ato do legislador ou do administrador. O risco de descriminalização das drogas, no panorama jurídico vigente, encontra duas vias possíveis, apesar de se afigurar reduzido.