sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Crimes Contra o Patrimônio a partir da Lei nº 13.654/2018 - Parte III (Fechamento de uma janela de impunidade - Retratação do Legislador)

        Qualquer debate sobre a inconstitucionalidade da Lei nº 13.654/2018, na revogação do inciso I do § 2º do artigo 157 do Código Penal, que se principie na tese de algum tropeço no processo legislativo, por ocasião da redação da norma, para que nesse ponto se considere válida a reforma legislativa recém operada, deve considerar que, efetivamente, não consta ter sido pretendido pelo legislador tornar o uso de arma branca, no crime de roubo, um indiferente penal.

        Aliás, contundente indicativo nesse sentido é a aprovação do Projeto de Lei nº 279/18, iniciado no Senado Federal, que na Câmara recebeu o número nº 10.541/18 e, ao final, materializou-se na Lei nº 13.654/19.

         Logo, o ordenamento jurídico restaurou o status quo ante para delito de roubo, ao qual o uso de branca passará a ser novamente majorante.

       Contudo, é evidente que as garantias legais próprias de nosso regime penal vedam qualquer eficácia retroativa do novo diploma incriminador (art. 5º, XL, da CF e art. 1º do Código Penal), então não alcançando fatos praticados antes da vigência da norma.

         Sob este cenário, considerando o aparente erro no processo legislativo, a partir do qual se pretendeu conferir validade, para o fim de se abrandar o rigor da lei penal, em contraponto aos esforços legislativos no sentido de se restaurar a redação original da norma, abriu-se uma janela jurídica de tolerância e indiferença ao roubo praticado com arma branca, que permaneceu aberta até a vigência da majorante restaurada.

           Assim, a polêmica sobre o tema restou superada com o advento da lei restaurando o inciso I do § 2º do artigo 157 do Código Penal, apesar da fragilização da segurança pública operada a partir de todo do engano ocorrido e dos esforços no sentido de corrigi-lo.

domingo, 3 de junho de 2018

Circunstâncias Comunicáveis nos Crimes Contra o Patrimônio

      Os crimes contra o patrimônio trazem uma hipótese peculiar de impunibilidade (isenção de pena), contida no artigo 181 do Código Penal, da qual se conclui que a proximidade do vínculo familiar entre a vítima e o autor do fato tem o efeito de isentar a aplicação da pena. Assim se preserva o cônjuge da vítima, na constância da convivência matrimonial, tais como os ascendentes e descendentes que eventualmente se aventurem a cometer crimes patrimoniais contra seus próximos.

     Seria a hipótese, então, de uma condição de caráter pessoal, apta a livrar de pena o autor do fato, por ocasião de sua proximidade consanguínea ou marital com a vítima.

    Mais, estar-se-ia perante uma isenção de pena capaz de se comunicar a terceiros coautores, que eventualmente tenham participado do delito?

     A ideia é atrativa no sentido de que, efetivamente, os coautores sejam igualmente alcançados pela regra do artigo 181, justamente em razão do disposto no artigo 30, ambos do Código Penal. Noutros termos, coautores também se valeriam da impunibilidade familiar própria dos crimes contra o patrimônio, desde que cientes da condição íntima/familiar entre um dos partícipes e a vítima.

       Quer-se crer, contudo, pela impropriedade da conclusão.

      É que as situações contempladas no artigo 30 do Código Penal se encerram em regra de exceção, aplicáveis restritivamente, pois inicialmente se afirmam como incomunicáveis as  circunstâncias e as condições de caráter pessoal, só se induzindo comunicáveis, contrario sensu, quando integrarem elementares do ripo penal.

      Na hipótese, a norma do artigo 181 não se agrega como elemento a quaisquer dos tipos previstos entre os artigos 155 a 180-A do Código Penal, designados pelo legislador como crimes contra o patrimônio.

       Logo, na coautoria de crimes patrimoniais do Código Penal, em que um dos réus se enquadre na hipótese de seu artigo 181, em razão da proximidade matrimonial/consanguínea com a vítima, os demais responsáveis pelo crime não podem se valer da impunibilidade preestabelecida na norma. Por isso, coautores se mantêm puníveis, ainda que aqueles albergados pela isenção de pena se livrem soltos, por expressa previsão legal.

         Mais, o próprio inciso II do artigo 183 obsta que o estranho, partícipe do crime, reste agraciado com a isenção de pena.

domingo, 20 de maio de 2018

Descriminalização das Drogas - garantia legal e risco em mero ato administrativo (Lei nº 11.343/06 e Portaria MS nº344/98)


Os dispositivos da Lei Antidrogas, que definem condutas criminosas e cominam penas, são reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência como normas penais em branco, pois dependem de um complemento estranho ao próprio texto para que assim se definam e se materializem como tipo penal sancionador.

No Brasil isso ocorre por delegação legislativa. A partir do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº11.343/06, a tarefa de completar a norma penal foi atribuída ao Poder Executivo, a quem compete dizer quais substâncias devem ser controladas ou coibidas. Atualmente isso se dá a partir da Portaria nº 344/98 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, com especial atenção à lista contida em seu Anexo I.

Assim, a norma vem estruturada de modo dinamizar o controle de substâncias proscritas, delegando ao Poder Executivo a prerrogativa de eleger quais delas devem ter trânsito controlado ou coibido no território nacional.

E a conveniência do legislador na escolha desta técnica normativa é evidente, pois com ela se mantém a garantia da estrita legalidade da lei penal na descrição da conduta e na definição dos limites mínimos e máximos da pena, ao mesmo tempo em que livra do engessado processo legislativo da lei penal a individualização do objeto material da norma, que é justamente a indicação das substâncias cuja indiscriminada posse, transporte, consumo etc., devem ser coibidas por razões de saúde pública.

De outro lado, a atual estrutura normativa da política de repressão a entorpecentes permite que a descriminalização do tráfico de determinada substância psicoativa dependa da vontade do legislador, mas também se curve, paralelamente, à discricionariedade da própria administração pública federal.

A destacar, na hipótese da lei de entorpecentes, ambas as normas (a lei penal e a norma administrativa que a complementa) carregam consigo garantias penais gerais, tais como a abolitio criminis e a novatio legis in mellius (artigo 2º do CP e art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal).

Logo, cogitando-se a situação de o Ministério da Saúde excluir determinada substância da lista do Anexo I da Portaria nº 344/98, isso implicaria em inarredável abolitio criminis a todos os condenados e atualmente processados por crimes de tráfico daquele princípio ativo expurgado do rol de drogas, incluindo-se as pessoas que associaram para tanto. Uma repercussão jurídica plenamente plausível, a partir de simples ato administrativo.

De outro lado, a continuidade de determinada substância no rol do ato administrativo do Poder Executivo vem como argumento suficiente para constranger politicamente o legislador a qualquer manobra no sentido de tentar excluir aquela do controle administrativo do órgão sanitarista do Ministério da Saúde.

Sob este contexto, embora pelo atual estágio de desenvolvimento social e científico se cogite remota a possibilidade de alteração normativa, no sentido de se excluir determinada substância do rol daquelas controladas ou proibidas, vê-se que isso pode advir de duas frentes, por ato do legislador ou do administrador. O risco de descriminalização das drogas, no panorama jurídico vigente, encontra duas vias possíveis, apesar de se afigurar reduzido.

sábado, 12 de maio de 2018

Crimes Contra o Patrimônio a partir da Lei nº 13.654/2018 - Parte II (Alternativa à revogação do inciso I do § 2º do artigo 157 do Código Penal)

No artigo 4º da Lei nº 13.654/2018 transparece induvidoso que o legislador excluiu o emprego de arma das hipóteses de majoração da pena para o crime de roubo, na forma do § 2º do artigo 157 do Código Penal (manteve apenas o emprego de arma de fogo).

Trata-se, pois, da revogação do inciso I do aludido dispositivo, que trouxe o efeito da novatio legis in mellius às condenações já definidas, assim como em relação às ações penais atualmente em curso e aos fatos ainda investigados, a partir da garantia penal consagrada no parágrafo único do artigo 2º do Código Penal, o que já foi considerado na primeira parte deste ensaio. Induvidoso, assim, que a majoração da sanção a partir de eventos mais ameaçadores patrocinados pelo autor do fato contra a vítima de roubo, como é o emprego de arma, tornaram-se indiferentes jurídicos para os efeitos originalmente estabelecidos.

Mas, a partir daí, é possível concluir que a reprovabilidade da conduta daquele que ameaça a pessoa portando um punhal, canivete, bastão ou outro apetrecho capaz de contribuir na rendição da vítima, é equivalente à ação do agente que pratica o crime com "mãos limpas"? A prevalência da conclusão negativa deve ser a mais acertada.

Veja-se que o potencial ofensivo de uma pessoa armada é expressivamente superior ao do criminoso que subtrai ameaçando a vítima apenas com palavra ou gesto. Indiscutivelmente, a exposição ao risco de ser agredida ou lesionada é mais iminente no roubo armado, no qual a vítima é subjugada sob ameaçada de ser esfaqueada, espancada ou, até mesmo, morta. Em delitos nos quais o agente atua apenas em expressão ameaçadora, sem o emprego de armas ou apetrechos bélicos e, assim, sem evidências de risco maior à integridade física da vítima, a reprovabilidade da conduta deve seguir menos severa.

Aliás, conclusão em sentido diverso estampa flagrante violação ao Princípio da Individualização da Pena, pois se estará a sancionar as duas modalidades significativamente distintas de roubo (armado e desarmado) de maneira idêntica. Evidente, pois, o equívoco no tratamento equivalente de condutas distintas. Sem prejuízo, a medida do legislador trará como reflexo o incentivo ao uso de armas pelos criminosos, pelo entendimento de que a ação mais grave receberá tratamento penal idêntico àquela mais branda.

A concluir, se a exclusão da majorante em questão impede que ela assim seja considerada, não se pode descartar a oportunidade dada pelo legislador de que o juiz pondere o emprego de arma já na primeira etapa da dosimetria da pena, por ocasião do artigo 59 do Código Penal, justamente pela maior reprovabilidade da conduta do criminoso armado sobre a ação daquele que se vale apenas de sua força física, de palavras ou de gestos, para obter a vantagem patrimonial ilícita.

Por certo a compreensão nesse sentido não virá isenta de críticas, mas se afigura como alternativa plausível à decisão do legislador de tolerar o emprego indiscriminado da violência nos crimes patrimoniais.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Crimes Contra o Patrimônio a partir da Lei nº 13.654/2018 - Parte I (Furto e Roubo)

      Recentemente o legislador tratou de "recalibrar" responsabilização penal aos autores dos delitos de furto e de roubo, os mais comuns dentre os praticados contra o patrimônio, numericamente considerados. A excessiva audácia dos criminosos no crescente emprego de explosivos (a exemplo dos casos de arrombamentos de caixas eletrônicos com dinamite), tal como a aparente facilidade na obtenção de artefatos desta natureza, provocou reação normativa no sentido de uma punição mais severa em crimes que envolvam a obtenção ou o uso de tais materiais, considerando-se, além da ofensa ao patrimônio das vítimas, a potencial exposição de terceiros a um risco significativamente desproporcional à vantagem econômica almejada.

        Isso é o que se deduz a partir das disposições da Lei nº 13.654/08, afetas ao Código Penal.

       Com relação ao crime de furto, a inclusão do § 4º-A ao artigo 155 do Código Penal tornou qualificada a subtração na qual há emprego de explosivo ou substância com eficácia equivalente, então igualando a gravidade do delito àquela atribuída ao caput do artigo 157 do Código Penal, em razão dos limites mínimos e máximos de pena estabelecidos (4 a 10 anos de reclusão e multa).

       Também a subtração de acessórios ou materiais necessários à fabricação, montagem ou uso de explosivos, passaram a destacar novas hipóteses de crime qualificado, com a inclusão do § 7º ao tipo penal do artigo 155 do Código Penal, também com pena de reclusão de 4 a 10 anos e multa.

         Resumidamente, tanto o emprego de substâncias explosivas no furto, assim como a subtração das próprias substâncias explosivas e apetrechos para sua montagem e uso, configuram novas modalidades qualificadas para o crime do artigo 155 do Código Penal.

        Com relação ao roubo, a natureza do bem subtraído, enquanto explosivo ou apetrecho para sua fabricação, montagem ou uso, passou a balizar a majoração da pena, pela inclusão do inciso VI ao § 2º do artigo 157 do Código Penal, quando obrigatório o aumento da pena de 1/3 até metade.

        E o emprego de arma de fogo, tal como uso de substância explosiva ou outra análoga, capaz de causar perigo comum, passam a impor a majoração na forma dos incisos I e II do novo § 2º-A do artigo 157 do Código Penal, mediante aumento obrigatório da pena em 2/3 (dois terços).

        A rigor, destaque-se que o simulacro de arma de fogo não retrata ineficácia absoluta do meio (artigo 17 do Código Penal), pelo que o uso desta artimanha pelo autor do fato não tem o potencial de impedir a majoração da pena.

        De outro lado, em aparente viés laxista, a revogação do inciso I do § 2º do artigo 157 do Código Penal obsta que o uso de arma pelo autor continue sendo determinante da majoração da pena (mas isso não se aplica quando houver emprego de arma de fogo, porquanto reafirmada esta hipótese como majorante - inciso I do § 2º-A do artigo 157 do Código Penal).

        Até então, a amplitude atribuída ao dispositivo revogado era causa majorante da pena quando o autor fazia uso de qualquer artefato capaz de subjugar a vontade da vítima (canivetes, facas etc.), em face da subtração. Tal hipótese, contudo, não pode mais ser considerada para fins de majoração da sanção.

       Outro aspecto, a revogação do inciso I é alcançada pela máxima novatio legis in mellius, no qual condenações anteriores, cuja pena foi pautada pela majorante revogada, são determinantes de reapreciação pelo Poder Judiciário, a fim de que não sejam mais consideradas por ocasião das penas privativas de liberdade já estabelecidas.

     É um panorama novo, de maior rigor a situações pontuais, em que há emprego de explosivos ou arma de fogo, e de afrouxamento noutras hipóteses de roubo, quando o emprego de arma (em sentido amplo) se torna aparentemente indiferente para efeitos de aplicação da pena (excetuadas as armas de fogo), como efeitos das recentes alterações promovidas pela Lei nº 13.645/18.